quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Derivar Meninos IV

O menino que era pequeno não gostava que os outros meninos o chamassem de Pequeno, mas o tempo foi passando: dias, semanas, meses, anos, e ele continuava a ser o “Pequeno”. Já havia se acostumado com o apelido que os outros criaram, inventaram. Ele então, um dia, andando pela rua, a caminho para a sua casa amarela... Sim. Porque o menino que era pequeno morava numa casa amarela, de portas e janelas amarelas, de paredes amarelas e com diversos quadros pendurados de amarelo. Ele então parou e pensou: - Estranho. Como é que as pessoas inventam as coisas? De onde é que elas nascem? Eu queria tanto inventar. Será que só algumas pessoas têm esses poderes mágicos? E pensando naquelas perguntas, que haviam surgido, simplesmente porque o seu apelido era “Pequeno”, passou a olhar para tudo de outra forma. Todos os dias quando acordava prestava atenção em cada coisa que seus irmãos faziam, em cada palavra que sua mãe lhe dizia, em que cada novo olhar do pai. O tempo foi passando, e já era final de um ano em que muitas coisas haviam passado pelo menino, ele então, sem querer... Foi assim que o menino percebeu aquilo que aconteceu: sem querer. Ele olhou para a avó sentada na beira da poltrona na noite de ano novo. Ela estava como todos os anos, mas com um sorriso que só as pessoas que estão na noite de ano novo têm. Ele pensou: - Ano novo? Novo? Como novo? Novo por quê?! Por que novo? No ovo, será? Que sai do ovo? Que vai nascer? Será que o novo ano vai nascer? Mas e as coisas desse ano, vão desaparecer? E com muitas outras perguntas, fixava seus olhos na velha avó sentada como todos os anos.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Navegar Meninos I

Atrás do monte mais alto daquela região, existia a Cidade-dos-sem-Conversa. Naquele lugar, homens e mulheres andavam pelas ruas apenas para cumprirem seus compromissos: ir e voltar, comprar e pagar, levar e trazer... Tudo caminhava pra frente, até que a Mulher, que usava uma capa branca, certa feita, ao cruzar com uma outra Mulher de Chapéu-em-Espiral, ouviu: - Bom dia! A Mulher-de-Capa-Branca espantou-se um tanto, que gritou e ao olhar para trás percebeu que a sua sombra havia desaparecido-de-susto. Desesperada, a mulher passou a procurar a sua sombra em tudo o que era lugar. Naquele dia mesmo andou por todas as partes à procura e: nada. Até que a Mulher-de-Capa-Branca, que estava indo para depois voltar, percebeu que havia saído do andar das coisas: - E agora? – pensou com tanta clareza a confusão-que-estava. A Mulher-de-Capa-Branca andou tanto que não havia percebido que estava bem distante da Cidade-dos-sem-Conversa. Avistou à sua frente uma árvore. Em cima da árvore: uma casa toda feita de cascas de banana. Ela percebeu que havia alguém ali dentro:- Tem alguém em casa? – gritou a mulher em busca de ajuda. De dentro da casa saiu um Macaco-Bola - uma espécie rara em dias-quadrados. A mulher ficou espantada, pois só tinha ouvido falar de uma espécie daquela em livros que tinha lido no tempo de infância, para ela aquilo nem existia, era apenas: ficção. - Bom dia, senhora. Em que posso ajudá-la? – perguntou o Macaco-Bola, com uma banana-quase-comida nas mãos. - Ajudar? Como assim? Ajudar... nunca ninguém disse... quero dizer... eu... eu estava andando pelas ruas, estava indo... eu teria que voltar... mas... eu... – disse a mulher tropeçando nas palavras. - A senhora está um pouco confusa. – percebeu o Macaco. - Estou. Tenho certeza que estou. – falou a Mulher de maneira direta. E contou tudo, ao Macaco-Bola, o que lhe havia acontecido naquele dia. Quando a Mulher-de-Capa-Branca se deu conta, as horas já haviam passado. – Nossa. Fiquei conversando e o tempo passou, a minha sombra mesmo ainda não achei. – disse a Mulher voltando ao desespero. - Olhe para trás. – disse com ar de sabedoria o Macaco-Bola. A Mulher olhou bem devagar para trás, e qual não foi a sua surpresa: a sombra estava ali, bem atrás dela, fazendo todos os movimentos que a mulher de maneira exultante fazia. - Não é possível. Como? Como ela voltou? Ela estava escondida aqui na sua casa, não é mesmo? – perguntou a mulher desconfiada. - Não, é muito provável que a senhora tenha escutado o “bom dia” ao meio-dia, e ao meio-dia o Sol está a pino. Os dois riram-se tanto que nada ficou igual. Nem a ficção, nem a Cidade-dos-sem-Conversa.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Este texto nasceu no carnaval de 2012, no Horizonte Belo de Minas Gerais, conversando com San Juan De La Cruz, Marguerite Porrete, Maria Gabriela Llansol, Vania Baeta e tantos outros. Peguei uma tesousa para cortar trechos com os quais eu pudesse dizer um certo amor, depois veio o papel... e, por fim, o grão da voz.



Dos poemas inéditos nasceram os vivos,
Alguns se sabiam um vivo sem em mim viver. As memórias sabem-se nervos, desequilíbrio de pausas. Levar a escrita ao grau do impossível e ver, deitado na cama, o amor despossuído de vestes. Nu em carne com a fechadura a segredar:
Bem sei eu da fonte que mana e corre mesmo de noite.
Há trinta mil anos a pedra gritava à brita:
Sua origem não sei, pois não a tem, mas sei que toda origem dela vem, mesmo de noite.
Homens e mulheres e pessoas e palavras sentam-se de costas uns para os outros e escutam o corpo destacado,
a maneira distante de fazer amor.
As pernas têm músculos que sustentam o ventre, pois há grãos ali,
não brotam como feijão em algodão úmido, brotam de dentro da terra.
Ali, Alá, São João, Porrete, há uma espécie de Puro Amor Puro a escavar a prece.
Ah, Amor, diz essa Alma, que deve ser feito então? Certamente nunca se acreditou tanto em algo quanto no que se diz agora.
Corpo destacado na pulsão mística do santo.
(Amor): - Essa Alma, diz Amor, nada em um mar de alegria.
Foram confessar ao mar e escutaram: nada.
No mar das delícias que fluem e correm, e não sente nenhuma alegria, pois ela mesma é a alegria, ela nada e flui na alegria, sem sentir nenhuma alegria, pois ela reside na Alegria e a Alegria reside nela; ela mesma é a alegria em virtude da Alegria que a transformou em si.
Paulo de Tarso perguntou à Llansol:
Como a meditação do Amor Puro tem somente uma intenção.
Razão pergunta a Amor quando essa Alma está na pura liberdade de Amor.
Marulho do mar.
Ser aquele que chama a palavra ainda não inventada.
Certo corpo abriu o terreno com a enxada, carpiu os dias para que a noite tivesse cabimento. Reza não é oração e estão orando desde ontem.
Entrou-se onde não se sabia. Aquela eterna fonte está escondida, mas bem se sabe onde ela tem guarida, mesmo de noite. Sabe-se que não pode haver coisa mais bela, e terra e céus dessedentam nela, mesmo de noite. Sabe-se que ela não tem leito a assoalhá-la, por isso. Ninguém pode vadeá-la, mesmo de noite.
Ser aquele que tapa a boca e grita há trinta mil anos.
A meditação do Amor Puro tem somente uma intenção, a de que a Alma ame sempre lealmente como parte daqueles para quem a linguagem guarda o dito e não-dito, e as razões raramente são a verdadeira razão.
A música chega e diz:
Há cinco bens sobre a terra __________________ a abundância, o conhecimento, a generosidade, o prazer do amante e a alegria de viver.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Derivar Meninos III

Era uma tarde escura. Os meninos voltavam de onde tinham ido, como sempre. O menino-parado estava a ver passarinhos carregando futuro no bico. O seu azul era tão luz que seus olhos faziam lanternas para o que vinha. Dois meninos que passavam por ele na escura-velocidade espantaram-se com o parado do menino e irritaram-se para si. Era tanto nervo-espinafrado que as palavras ponte-aguadas pulavam sem parar na direção do menino. Saiam magras de intenção e caíam gordas no chão. Iam amontoando-se. Algumas escorriam pelos narizes, outras pelos ouvidos, algumas desfaziam o nó do umbigo e desmanchavam os meninos de sua meninice. O menino-parado parecia não entender nada. A única coisa que o menino fazia era continuar parado. Uma muralha de palavras foi entocando o menino que resolveu tirar uma gaita do bolso e tocar no dentro-do-aqui sem ter o que dizer. As palavras no chão, foram ficando animadas e uma ao lado da outra, flutuaram o espaço. A princípio algumas diziam devaneios e aos poucos fizeram uma roda-de-mãos-dadas. O menino abriu a boca em bocejo. Enrolou-se naquela colcha-de-guardar-segredos que flutuava na imensidão e dormiu. Acordou-se no outro dia mais parado do que nunca e envolvido pelas palavras que roçavam no seu rosto dizendo: Anda, pode andar.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Derivar Meninos II

Ele olhava para algodão e via feijão. Um dia caminhando por um campo de plantação de algodão ficou com medo de tanto feijão que poderia dali nascer. Quando sonhava-algodão-nuvem-do-céu sua cabeça pensava feijão. Quando comia algodoava o palato mole. A professora-da-casa-saudade-de-saber ensinou que no fundo dos copos recheados de algodão nasciam feijões. Era preciso cuidar. O menino tinha medo de cuidar. Achava que tudo que era cuidado viraria feijão. Ele não gostava de comer feijão. Havia uma comida que na vida de todos que ali viviam era A Verdade: arroz com feijão. Mas o menino não gostava de comer verdades. Ele gostava de inventar. Um dia o menino cresceu um tanto e descobriu que feijões não nascem de pés-de-algodões ou copinhos úmidos-de-mentira. Descobriu que brotar não é colher antes de plantar. E que cuidar é outra coisa. Descobriu que brotar não podia ser sem chão. Descobriu. Tirou a coberta de cima de si e levantou-se da cama. Espreguiçou-se. Abriu a boca e todo mundo viu uma lágrima escorrer de seus olhos. Quem olhava aquela lágrima dizia que era de verdade.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O homem acordou mapeado no espelho
Os sulcos eram rios de um passado vivido.

(...)

Navegou os olhos pelas cicatrizes do tempo,
Lembrou da gargalhada infantil,
De amantes bêbadas.
Aquela pele estava a conhecer.

(...)

Foi pouco tempo para pensar nas árvores,
Nos passeios,
Chorão.

(...)

Na casca morada das cigarras, a pele dizia:
- Hoje só termina amanhã.

(...)

O grilo que estava encostado no tempo, soltou:
Neste momento é que tudo acontece.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Neste carnaval meu corpo sangrou palavras como furar a orelha para colocar o brinco.

Mandei o meu corpo para oficina fazer a revisão. Distraído ouvi da boca da mulher-que-orientava-o-curso-das-coisas a seguinte história:

Na Nicarágua de antes, um pequeno índio entrava todos os dias na grande Igreja. Lá imitava os tantos com o rosário em mãos e passava as contas numa única mão até a Virgem sorrir para ele, depois ia embora, como os santos.

Num dia qualquer, o padre de batinas longas, estranhando o comportamento colorido daquela alegria mirim, perguntou reticente:

- Você sempre vem aqui... vejo que sabe rezar, então reza o Pai Nosso e a Ave Maria?

- Ah?

- O Pai Nosso e a Ave Maria?

- Ah?

- Vejo você usando o rosário como todos, de maneira correta...

- Eu só olho bem nos olhos da Virgem e digo: um pra mim e um pra você e ela ri pra mim.

E com voz catequética o Pai ensinou a reza ao filho e a Virgem nunca mais riu.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Prólogo

O assunto era democracia.

Ato I

Um falava sobre o Irã, o outro sobre Atenas:
- Não sei se devemos temer tanto.
- Quem diria, berço da democracia.

[intervalo]

[O escrivão lembrou que Platão disse sem querer:
- Esqueçam os persas!]

Ato II

Um falava sobre o Irã, o outro sobre Atenas:
- Sabia que os persas já foram iranianos?
- Sabia que a democracia já foi grega.

[segundo intervalo]

Naquela de Platão dizer o mundo sem lugar, o mundo U-TOPOS, o mundo Utopia, tirou o Irã da jogada, deixou todo mundo ter raiva do que era persa e inventou o EU.

Ato III

Quando o EU apareceu neste mundo, tomou conta da VIDA e a VIDA ficou submissa aos caprichos do EU. Todos olhavam para o surgimento do EU como um ganho, mas um homem que fumava cigarro de palha, sentado de cócoras, disse entre risadas de louco:
- Isto é tipo comprar um sítio, duas alegrias: quando compra e quando vende!

Ato IV

O EU chegou silencioso no mundo, dizendo EU posso, é só EU querer que tudo acontece, sou EU quem decide o futuro, e a VIDA ficou ali, na espreita, esperando a hora da grande "venda".

Ato V

O homem continua de cócoras, meio vagabundo aquele homem, meio poeta, meio desvalido de utilidade, mas costuma dizer para quem passa e para os homens que conversam sobre democracia:
- Sonho com os dias em que a vida seja maior do que EU.

Epílogo

O escrivão abre o jornal, onde lê:

Milhares estão nas ruas de Atenas protestando contra a crise financeira que assola o país.

UE embarga petróleo do Irã.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Derivar Meninos I

O menino acordou esquisito. Estava meio molhado o menino. Ele não tinha feito xixi na cama. Os olhos do menino estavam chorando. O menino foi até o espelho e olhou. Viu uma pinta. A pinta não era uma pinta como as que o menino conhecia. O menino descobriu que a pinta era uma estrela-do-meio-dia que estava deitada na sua cara esperando a noite. Deitada um tanto que já estava dormindo. O menino tirou o chapéu marcha-soldado que usava, cortou as duas pontas e o fez barquinho-de-papel. Entre as águas salgadas e revoltas de olhos que choram o menino pôs-se a navegar. Navegou tanto que chegou até onde nascem as estrelas antes de tornarem-se pintas.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Os Sete Desaforismos II

I

propaganda já foi reclame,
hoje reclama-se da propaganda.
[os olhos não deixam de olhar. o que se clama?]


II

sacrifício é manter-se no frescor.


III

- Há vida fora do trilho. - disse o trem.


IV

quando o Buda sentou sob a árvore, lembrou que tinha bunda.


V

a vida que temos que viver pode já estar sendo vivida.


VI

Hábito é bifurcação: habitar ou habituar.


VII

quando Moisés avistou a Terra Prometida estava fazendo a reforma agrária.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O-caso

Um homem seca o piso, enquanto um outro remove a terra desvalida de minérios. A flor demonstra a ausência e os homens distraem-se sonolentos em vigília. Vão de um lado para o outro sem pensar. Na noite anterior Penélope foi à Troia, Ulisses não voltou para casa, Eugênia despediu-se de Adoniran, simplesmente porque as crianças não tinham onde dormir.

Do Pinheiro mais alto avistava-se o massacre, em que homens e mulheres e velhos e crianças e cachorros e passarinhos e gente misturada era atingida por sal, tipo lesmas de quintais úmidos.

A diferença, distintos senhores e distintíssimas senhoras, é que a terra está sendo limpa para acomodar dinheiro sujo. Para este tipo de ato não há lavanderia possível.

Os homens continuam a lavar e a secar as ruas depois do temporal. Suas roupas trazem respingos de sangue de gente, da sua gente. Aquilo, ou, isto de homens massacrarem homens é sinal de nosso tempo.

Pergunta-se por aquelas ruas:
- Para onde vão as raízes quando não existem terras para replantá-las?

Luzia nunca mais encontrou Lourdes. O menino jamais reviu o vira-latas Peludo. A menina abandonou à força a boneca aos tratores. O homem perdeu as pedras do dominó e nunca mais reviu o Batata. A velha adoeceu de saudade e seus bordados, agora sujos pela lama do lucro, tapam os buracos do medo.

Os homens de poder estão deitados em 400 fios de lençóis (lendo efemérides) ou discutindo às mesas de madeira-de-lei a Divina Comédia do Dante ou nas Igrejas verbando algum João ou Matheus ou Lucas: comem embutidos europeus.

Pregaram os pés da resistência e lá no alto avista-se o pequeno Pinheirinho. Mas quantos massacres ainda serão necessários para que paremos de repetir a mesma crueldade de séculos? A dor está gritando sem parar, ouço os gritos marcharem até aqui e meus ouvidos doem.

Os dois homens fardados, que cuidam do jardim, entreolham-se quando ouvem a voz do escrivão:
- Será um louco?

O escrivão deita a caneta e pensa se não está a enlouquecer, falando sozinho.
- Sozinho? O que ele está dizendo? - comentam.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

ATO I

O que se espera de um compromisso assumido? O que se espera, o que se tem esperança: missa, missão, prece. Se apressado pressou a escolha de alguma coisa descolada, o reverso virá em breve cobrar-lhe que devolva. Agora se em prece comunga comigo ou consigo ou convosco ou conosco aquilo que de fato deve ser feito, agora o que se deve ao ato é cumpri-lo. Deixa a carne atropelar-se por certo esforço de manter-se atento sem vacilo do primeiro instante até o último. Deixa o prazer em química escorrer sobre o gesto de se ser consistente do princípio ao fim naquilo que missou cumprir. Se sabe que em tudo há dor e prazer não precisa ficar o tempo todo acovardando-se a separar gesto de gemido. Tudo é junto quando se está presente em prece na única coisa que se pode fazer: dizer sim ao sim que se jurou ao agora.

P.S. Houve tempo em que justo era dizer não.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Os Sete Desaforismos

I

a pessoa a sua frente é a própria humanidade.


II

coisas que a língua faz: "alguém vai voltando"

Só é possível ir para frente voltando-se sempre.


III

Duas mulheres conversam sobre o gosto:

- Eu gosto de gelado.
- Não gosto de nada gelado.


- Eu gosto de azedo.
- Não gosto de nada azedo.


- Eu gosto de ardido.
- Não gosto de nada ardido.


O homem escuta e pensa:
- Gosto não se discute, mas do que será que eu gosto?


Será isto uma discussão? - pensa um coelho enquanto consulta o relógio para entrar na história de Alice.


IV

a explicação é obra da preguiça.


V

é bonito ver uma pessoa animada, talvez porque nos lembre da alma.


VI

sair do assunto é o mais interessante.


VII

milagre: nascer para nós mesmos.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O homem gritou atrás de mim, como se estivesse na frente:
- Massificação.
O ar era de 1850, eu olhava apenas os retalhos de lona caídos no largo,
Ele olhava a junção de cada pedaço para cobrir o suor com dominação:
Como quem vê amoras sangrando o chão ou mulheres férteis dizendo pronto!
Levi Strauss viu nos retalhos força
O homem viu em Levi Strauss o Capital.
Pan era o deus dos rebanhos e pastores,
ele costumava assustar os homens com suas bruscas aparições.
Fletir poderia significar fazer flexões.
Entre mim e o homem havia um ouvido panfletário:
- Os assombros podem fazer flexões.


P.S.1. No auge da corrida pelo ouro, com minas lotadas, Levi Strauss observou a oferta de lona e a fragilidade das roupas dos mineradores. Confeccionou calças resistentes, com bolsos reforçados com rebites de cobre.

P.S.2. Na última manifestação 30 homens e mulheres inscreveram-se para falar a mesma coisa, achando que estavam dizendo coisas diferentes.

P.S.3. Eu estava na última manifestação e continuo a marchar vestindo calça jeans.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Aquele dia juntava sol e chuva,
outrora diziam:
- Casamento de viúva.

A mulher de guarda-chuva fechado
não conseguia esquecer o nome do objeto.
O sol queimava a dúvida.
- É a curva que anda?
- É a vida que é curva?

Súbito: uma dúvida.
Duas-vidas.
- Seria a dúvida o ponto nervoso
das sempre duas vidas trazidas
na mochila?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um homem, sentado ao pé daquela,
Canta a solidão primeira xxxxxxxxxxx
Lá onde a religião era árvore e só:
- O que digo quando digo respeito?

Escuta a pedra a bater na lagoa longa:
- Res = coisa.
- Peito = peito.

[Alguma coisa no peito? – pergunta
entre colchetes à consciência distante]
Por onde andam as coisas,
quando nos desabrigamos das figueiras?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Algumas palavras não ficam famosas. - pensou com a mão apoiada no queixo, o homem oblíquo.
Relho
Irrisão
Dilação
Tez
Escopo
Seus sinônimos são mais carismáticos, achegam-se ao povo. Será algum segredo da língua? - Acendeu um cigarro e virou-se para ver quem passava na esquina.
Que corpo é este que ocupa um lugar no tempo? - continuou, enquanto esfumaçava o espaço.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Medida provisória

I. Nem noite, nem dia: lusco-fusco.
II. Falar menos e mais simples.
III. A cada tempo próximo revirar os mortos que estão com dores nas costas.
IV. Pesquisar se outra vez é o mesmo que de novo e se vez e novo são sinônimos.
V. Trabalhar no ofício e oficializar o trabalho.
VI. Colher todos os dias uma palavra plantada pela humanidade de todos os povos.
VII. Visitar os cadernos de ontem.
VIII. Investigar a crítica: paradoxo ou solidão?
IX. Proclamar mais, clamar na medida e reclamar menos.
X. Quando ficar deslumbrado com o significado de algo não ignorar a sua estrutura.
XI. Não trocar de cadeira quando a ferida estiver na bunda.
XII. Ler o prelúdio do apólogo.
XIII. Ter renda para não se render.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O homem separou a xícara do pires,
antes de golar o quente:
- Busca-se ser o SER do-ente?

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Ouve-se ondas curtas.
- Última notícia: os textos extensos a partir de um hoje serão escritos em apenas uma única linha.
A chuva espanca o céu.
Senta-se de cócoras, como quem pede silêncio.
Distrai-se do barulho até chegar à música.
Lá abraça a solidão.
O temporal continua até torcer as palavras.
cruzar o rio, tateando as pedras.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Da direita para a esquerda
O olho de dizer quedas.
(Na ponta da mesa
O ovo fincava firme a forma).

Joana, enchia o cesto
catando as coisas caídas.

(...)

Na esquina,
Dois conversavam:
- Você está caindo num outro assunto.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Na central telefônica, a moça tipo cabelos secos, ouve do outro lado da linha:
- Um apelido para o que não sei?
Sem ter para onde olhar, dentro da cabine, sonha com os dias de celebridade:
- Destino?!
Do outro lado, apenas um rio.
A moça não quer continuar:
- Um minuto, por favor. E desliga-se de si.
A moça abre a gaveta à sua direita e manipula um esmalte,
quer pintar o que sente enquanto do outro lado da linha
o falante, escreve:
barganhei com o voo antes de plantar meus pés no chão
no limite: turbulência
hoje encontrei uma viela escurecida de mim.