quinta-feira, 31 de maio de 2012

"Educar é parar diante das profecias de fracasso e dizer: não". palavras ex-postas por uma educadora argentina
Diante do posto:
emancipa-se quem está tratando da própria emancipação.
Lá, naquela aldeia, moravam dois franceses: Jacotot e Rancière; Rancière era mais caladão, gostava mesmo de escrever. Jacotot era dado à exposição do verbo, e vez ou outra pedia uma xícara-de-futuro à Graciela.
Foi ela quem lembrou a todos, no dia da grande chuva de sapos, que emancipar é tirar a mão opressora de cima de nossa cabeça.
P.S.
Joseph Jacotot
Jacques Rancière
Graciela Frigerio
Angela Castelo Branco
Juliana Jardim
Luiza Christov
Gonçalo M. Tavares
Jorge Larrosa

quarta-feira, 30 de maio de 2012

"Solte a criança interior!" - disse uma velha maquiada que "ensinava" sobre a vida.
Enxugando as lágrimas no guardanapo de limpar saudade, a mulher que participava do work-véu respondeu em transe:
- Sim, sim. Voltei a ser criança.
- Impossível. - Gritou o filósofo, fumando um cachimbo de preto velho. E depois riu até o amanhecer.
Lá, uma voz soou até o hoje.
A vida cresce. Há quem foi criança. Há quem adolesceu. Há quem ficou adulto. Talvez não seja mais possível ser criança.Talvez seja vital tornarmo-nos adultos. Talvez só seja possível a exposição total quando chegarmos à vestimenta de autoridade, pele mais grossa. Talvez quando estivermos na palavra autoridade como autoria, como gesto que nasce da proximidade que temos com nós mesmos. Talvez assim possamos gargalhar até o amanhecer.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Ali.
Um lugar que todos sabem onde fica,
mesmo que indefinível.
Lá.
Um lugar que todos sabem que fica mais longe do que Ali.
Aqui.
Um lugar que todos sabem que fica bem mais perto do que Lá.
Vamos entendendo os limites entre o Ali, o Lá e o Aqui bebendo água com as mãos em forma de cuia, correndo para não perder o ônibus, despedindo-se daquela pessoa no terminal rodoviário, esquecendo o RG em casa na hora de comprar as passagens daquela viagem, cutucando a espinha das costas amadas.
Talvez seja o limite o maior aprendizado da vida.
Talvez seja o limite a maior liberdade da vida.
Talvez seja o limite a habilidade que todos adquirem para dançar Ali, Lá e Aqui como se houvesse o sempre.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O homem bateu o sono como bife em tábua de madeira.
De noite escorreu a pérola para dentro da concha.
Guardadas as proporções padres procuram prisões
para guardarem-se do frio.
Ninguém sabe ao certo.
Escutou-se na madrugada:
- Procura na manhã o que a noite anda escondendo.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Os Cinco Desaforismos - Parte I

Aforismo Aforismo (do grego aphorismos "definição", a partir de aphorizein "delimitar, separar", de apó- "afastado, separado" ou "proveniente, derivado de" + horos, "fronteira, limite" e horizein "limitar", através do latim aphorismus[1]) é uma sentença concisa, que geralmente encerra um preceito moral.
Desaforismos No plural. Tentativa de encerrar um preceito moral sem encerrar.
I
O meio pode fazer o homem ao meio.
II
Renunciar à verdade e assumir o verdadeiro
pode ser desdizer a dita cuja palavra dita.
III
Um mandato é a relação entre palavra e coisa
tipo onça dando o bote ou mulher arrumando malas.
IV
Caminhar a noite depois do trabalho e alcançar
o "onde" a coisa quer levar a gente:
pode ser criação.
V
A voz rouca é a renúncia da falação.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O amor é simples.
Destas coisas que demoram muito para criançar o verbo.
Escuta-se o avô dizendo:
- Devolva o meu chapéu.
E nenhuma criança duvida da verdade de voltar-se ao velho.
Outro menino pergunta:
- Mãe você está brigando com o pai?
Ao que se ouve:
- Estamos na conversa.
O menino não sabe dizer se o que se sente seja:
O que se ouve dos que dizem serem simples ou o que se sente naquilo que se escuta.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Não adiantava frear.
As palavras vinham em paródia,
em paráfrase,
em estado de cópia.
O poeta gritava:
- Pare imediatamente com isto: é meu o poema.
Nada fazia o rio voltar-se para atrás:
revoltado os dedos do escritor-copista caminhava numa velocidade
impossível de acompanhá-la com os pensamentos de dentro.
Os dedos agora pensavam de maneira emancipada da cabeça
e daí foram logo dizendo:
Dentro do pasto tinha uma vaca.
Tinha uma vaca dentro do pasto.
Tinha uma vaca
Dentro do pasto tinha uma vaca.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que dentro do pasto
Tinha uma vaca
Tinha uma vaca dentro do pasto
Dentro do pasto tinha uma vaca.
A vaca de dentro.
Disseram ao homem:
- Larga a mão de olhar para o pasto. Veja o espaço.
O homem achou aquilo frustrante, e sentiu raiva.
O resmungo dava a mão ao passado infantil:
- Não pode.
Depois de dias e noites, o homem chegou ao espaço.
De lá, viu a cerca da vaca e pensou:
- A revolta é tudo aquilo que faz a gente voltar para isto que nos faz paralisar.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Hoje, Sueli não quis conversar.
O homem não entendeu.
Todos que por ali passavam diziam:
- Transbordou.
Sueli tinha bordas.
Bordou até a linha do tempo, até a linha do pensamento, até a linha de pesquisa, até a linha da agulha mesmo. Outro dia, disseram para o escritor que Sueli é nada mais do que um chão como outro qualquer.
- Sabe, cada um tem seu chão, porque senão não agüenta: morre.
O antônimo de chão é abismo.
O escritor ficou abismado com aquela queda e quebrou a palavra.
(tempo despencando de si)
Estes dois pontos depois da frase, é a coisa que a frase quis dizer, não é a moral da história.
Na tentativa de explicar-se para si mesmo o narrador diz:
(vale lembrar que os dois pontos aqui precede os três aprendizados do escritor acerca dos dois pontos)
O escritor acreditava que os dois pontos em geral, ou evocam a fala de alguém ou significam dito de outro modo aquilo que a frase já dizia.
O escritor aprendeu que os dois pontos não têm nada a ver com o que sempre acreditou.
O escritor aprendeu que os dois pontos são o que a palavra tenta dizer e não consegue e que só com os dois pontos ela desembesta a dizer alguma coisa.
Morre, neste caso.
Voltando a Sueli, para não deixá-la abandonada aos delírios filosóficos:
Todos têm chão, mesmo os que consideramos mais limitados ou os que são restritos aos nossos olhos.
Todos estão articulados em alguma rede de sentidos que os fazem mais ou menos potentes em relação a tudo que de fato podem.
Este de fato da oração: vai saber o que é.
A pergunta do homem agora era:
- Será que enquanto escrevo sobre Sueli estou no tudo que posso?

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Palavras delirantes: Abismado.

Antonio entrou no Cômodo e abismou-se com o princípio:
Gustavo Courbet - A Origem do Mundo,1866.
Ficou entre o Vale e o Silício: a Beleza sem rosto cedeu os fundamentos de Antonio.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A vizinha era velha, latia com o cachorro, viuvava-se diariamente do marido de vida-toda doente.
Hoje, a velha, gritava para quem quisesse ouvir:
- Tudo depende de você, da sua consciência.
O escritor ficou no canto da sala, escondido de sua consciência, a pensar:
- Que voz é esta que nos atrapalha tanto, insistindo em dizer que depende de um "eu" se vai chover ou se morreremos amanhã.
Deitou-se na máquina de escrever e rezou-em-letras a sua fé:
- Uma voz vinda de outro lugar: é A falta de nossos tempos.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Fecharam a marcenaria por falta de desplanejamento. Era tudo sob medida. O marceneiro saiu de casa e entrou na sala de máquinas a catar grãos-de-saudade. Quando olhou para o lado viu a mulher que fiava espera. Enquanto a mulher enrolava o fio no grande-rolo-do-tempo, uma outra tecia palavras-de-juntar. Era quente a casa de máquinas, por isto a mulher tratou logo de coser roupa fresca. O homem voltou a serrar cabides e a pendurar suas certezas no guarda-medos. Agora, percebido pela mulher-mãe-do-mundo, estava vestido para a festa. O pó de serragem voltava a exalar pé-na-estrada.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

De dentro da fronha do travesseiro saía a anágua da saia de uma sabedoria perdida:
- Se pudermos ver o outro apenas do ponto de vista de nossa humanidade compartilhada, perceberemos que buscamos o mesmo propósito.
Lá os alfinetes perdiam a cabeça e as matracas calavam-se em louvor ao Louva-Deus.
João desceu do cavalo e leu em voz alta:
- A única coisa de semelhante que temos, meus caros, é a nossa fome e a certeza de que o tempo corre para lá e para aquilo que não se vê.
Todos aplaudiram os dias e as noites que aconteceram a partir daquele gesto.
Escrever era dizer o que passava pelo corpo.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Aforismos

I
Amar é o encontro com alguém que o reintroduza à solidão.
II
Sê aventureiro do espírito, entrai em sua viagem própria.
III
O erro mais grave na jornada é a ignorância à própria solidão.
IV
Estar em contato com a solidão fundamental é abandonar os usos da língua.
V
Não há duas órbitas semelhantes.
VI
Amar é cansar-se de estar só para poder ser devolvido à sua solidão primeira.
VII
Os que amam continuam a ser solitários.
VIII
Ninguém ensina a solidão.
IX
Sonho e solidão podem se encontrar.
X
Silenciar os murmúrios das palavras para ouvi-las desde dentro.
XI
Conquistar o direito de aprender a morrer.