segunda-feira, 25 de junho de 2012

Os Sete Desaforismos - Nova Temporada

I
O canto do galo é mais forte quanto mais perto estamos de ontem.

II
Os corredores não foram feitos para correr, mas para secular passagem.

III
O cachorro rasgando o saco lembra que sempre resta alguma coisa.

IV
O ralo de vez em quando rompe o cheiro mais humano.

V
O mundo não está nem violento, nem não-violento: nós dizemos e ele é.

VI
A alma cresce com esbarrões: um jovem que caminha apressado e esbarra na lentidão de um velho sentado.

VII
Toda vez que você desconfia de uma crítica há algo lá no fundo que diz que pode ser mesmo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

- Certas pessoas, afeitas por números que falam, dizem que o oito nasceu com poder quando deitado com a barriga no chão.

1
Um vulto apareceu atrás do homem escuro.

2
Na manhã de 09 de janeiro Antonio acordou pondo o pé sobre a gaiola.

3
Na sequência daquela rua havia uma pinça rasgando a corrente.

4
Natanael escovava os dentes no sempre da pia.

5
A criança empinava saudade com linha de raciocínio.

6
Nunca mordeu uma banana sem pensar na manhã debaixo da mesa da cozinha.

7
O cano furado espirrava lembrança dos cadernos de memórias.

8
João calçava sandálias até em dia de carregar tijolos na cabeça.




A fome roncava a barriga do Cristo, mesmo tendo comido tortas de maçã.


Ninguém sabia se aquilo cuspiu o vivido ou o sonhado. Os dedos mostravam calo de escrita, agora era certo que o trabalho havia desgastado os ladrilhos da casa térrea.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O artesão e a sua ferramenta

Talvez toda a escuta venha do silêncio.

Para constatar esta intuição é preciso estar à mercê do silêncio.
“Mas como?” pergunta um leitor inquieto.
“Estar à mercê é ter técnica, no sentido de atribuir sentido ao que se faz, concatenando cada parte no grande eixo do chão de cada um” – disse o ator.

Um quesito precípuo: atenção.

Como disse a filósofa Simone Weill:
“a atenção é uma alta forma de generosidade”.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Sopro vindo do Oriente

O que é que se espera de um compromisso assumido? Consigo ou com o outro? Tanto faz. O que se espera, o que se tem esperança: missa, missão, prece. Se apressado pressou a escolha de alguma coisa descolada o reverso virá em breve cobrar-lhe que devolva. Agora se em prece comunga comigo ou consigo ou convosco ou conosco aquilo que de fato deve ser feito, agora o que se deve ao ato é cumpri-lo.


Deixa a carne atravessar-se por certo esforço de manter-se atento sem vacilo do primeiro instante até o último. Deixa o prazer em química escorrer sobre o ato de se ser consistente do princípio ao fim naquilo que missou cumprir. Se sabe que em tudo há dor e prazer não precisa ficar o tempo todo acovardando-se a separar gesto de gemido. Tudo é junto quando se está presente em prece na única coisa que se pode fazer: dizer sim ao sim que se jurou ao agora, no tempo em que justo era dizer o não de outrora.
Uma mulher vestida de camisa branca, calça branca, sapato branco, de idade vivida e com os cabelos presos, dizia na saída da estação:
- Eu disse para o professor que não sabia o conceito, mas que sabia dar um exemplo.
Certa feita ouviu-se de um professor na Universidade:
- Quem fica dando exemplo não pensa com rigor.
Os homens conversavam em volta da fogueira:
- O intervalo entre fazer o pão e ditar a receita.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

a mulher enterra o cabelo na terra_________________________________________
implantação ou implementação
P.S. não havia pós-escrito

terça-feira, 12 de junho de 2012

Palavras que me nomeiam

Todas as palavras me nomeiam quando eu sei escutá-las.
Agora devo aprender a dizê-las para que outros
se sintam nomeados acaso as escutem.
Para nomear um nome é preciso todas as palavras.
E agora,
é a minha vez de continuar a cerimônia.
(Roberto Juarroz)

Retrato em cinco partes: um estudo iconológico da fome

1.
Re é sempre "outra vez": por vezes novo, por vezes repetição.
2.
Trato é sempre estética, pois refere-se à forma.
3.
Cena é uma paisagem vista da janela. Algumas pessoas encarnadas como artistas, vagabundos ou loucos, abrem a porta e correm descalços.
4.
A mulher come algo quente uma vez ao dia
ou,
escova os dentes do destino, visto que
suas mordidas insistem em sulcar o rosto.
- Duas outras observações:
A.
B.
Retórica.
Obs: O termo "tórica" provém da palavra grega torus que significa barril. Aqui cabe pensar no Re da palavra, por sugestão de Luiza Christov.
5.
Os homens tornam-se humanos quando conjugam o verbo finitar: Estar afinado com a tristeza, pelo tom da quietude.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Na manhã de 11 de março (lugar que nunca se explicou) o carpinteiro jogou coentro na bacia e foi-se. Quando todos levantaram-se de suas mansardas e não-mansardas, molharam os pés no chão, descalço de tempo.
Hoje, oito anos depois do acontecido, João telefonou em minha casa e falou sobre os poetas, os filósofos e os médicos.
Disse-me:
- Pegamos o caminho de Parmênides de Eleia. Você imagina o que poderia ter acontecido se tivéssemos botado trabalho nas bacias-de-verdes-ramos?
Parmênides ensinou duas vias: a da Verdade e a das Opiniões dos Mortais.
Zenão continuou o pensamento de Parmênides e hoje o carpiteiro tem vergonha de dizer suas bacias.
A noite, quando todos os bancos terminam o expediente e os seus cofres são trancados pela fome, João abre a porta de casa, chama um ou dois conhecidos e juntos, com as mãos em oração, cosem o princípio.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

(dois conversam sem pontuações, sentados na pedra)
Um - Tudo bem
Dois - Tudo
Um - Que dia
Dois - Que dia
Um - É
Dois - É mesmo
Um - Difícil, não é
Dois - Difícil
Um - Nada, e você
Dois - Também não
Um - Pois é
Dois - Não é
Um - E eles, por onde andam
Dois - Nunca mais os vi
Um - Segunda-feira eu vou
Dois - Puxa, na segunda para mim é impossível
Um - Uma hora dá certo
Dois - Claro
Um - E você
Dois - O que é que tem
Um - Nada
(Um continua o caminho de dizer, dois acaba de escutar alguma coisa e fica ali, parado em si. O que dois ouviu fez com que o escritor deixasse de dialogar as falas destas personagens que nasciam, roubado que foi por uma digressão).
"E você" foi uma voz vinda de outro lugar para lembrá-lo de que ali havia alguém que falava e alguém que ouvia. Sempre somos lembrados que conversar é dizer algo até a borda da escuta.
Quando não se dá atenção ao chamado, nascido no interior da conversa, entra-se no dizer apertado que espana o encontro.