terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O-caso

Um homem seca o piso, enquanto um outro remove a terra desvalida de minérios. A flor demonstra a ausência e os homens distraem-se sonolentos em vigília. Vão de um lado para o outro sem pensar. Na noite anterior Penélope foi à Troia, Ulisses não voltou para casa, Eugênia despediu-se de Adoniran, simplesmente porque as crianças não tinham onde dormir.

Do Pinheiro mais alto avistava-se o massacre, em que homens e mulheres e velhos e crianças e cachorros e passarinhos e gente misturada era atingida por sal, tipo lesmas de quintais úmidos.

A diferença, distintos senhores e distintíssimas senhoras, é que a terra está sendo limpa para acomodar dinheiro sujo. Para este tipo de ato não há lavanderia possível.

Os homens continuam a lavar e a secar as ruas depois do temporal. Suas roupas trazem respingos de sangue de gente, da sua gente. Aquilo, ou, isto de homens massacrarem homens é sinal de nosso tempo.

Pergunta-se por aquelas ruas:
- Para onde vão as raízes quando não existem terras para replantá-las?

Luzia nunca mais encontrou Lourdes. O menino jamais reviu o vira-latas Peludo. A menina abandonou à força a boneca aos tratores. O homem perdeu as pedras do dominó e nunca mais reviu o Batata. A velha adoeceu de saudade e seus bordados, agora sujos pela lama do lucro, tapam os buracos do medo.

Os homens de poder estão deitados em 400 fios de lençóis (lendo efemérides) ou discutindo às mesas de madeira-de-lei a Divina Comédia do Dante ou nas Igrejas verbando algum João ou Matheus ou Lucas: comem embutidos europeus.

Pregaram os pés da resistência e lá no alto avista-se o pequeno Pinheirinho. Mas quantos massacres ainda serão necessários para que paremos de repetir a mesma crueldade de séculos? A dor está gritando sem parar, ouço os gritos marcharem até aqui e meus ouvidos doem.

Os dois homens fardados, que cuidam do jardim, entreolham-se quando ouvem a voz do escrivão:
- Será um louco?

O escrivão deita a caneta e pensa se não está a enlouquecer, falando sozinho.
- Sozinho? O que ele está dizendo? - comentam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário